19 de abril de 2010

Van Gogh, ômega-3 e epilepsia

As especulações a cerca de qual doença mental teria acometido o famoso pintor Vincent Van Gogh são inúmeras. Ele recebeu mais de 30 diferentes diagnósticos de médicos que, mesmo após a sua morte, ainda tentam decifrar sua patologia e sua genialidade como artista. Muitos, senão a grande maioria das pessoas, acreditam que Van Gogh era portador de transtorno bipolar devido ao seu histórico de episódios depressivos (2 episódios bem documentados antes do 27 anos), associados aos seus rompantes de comportamento (supostamente episódios de euforia). Entretando, no meio acadêmico a teoria com maior embasamento técnico era a de que Van Gogh tinha epilepsia do lobo temporal. Vários especialistas, incluindo os próprios médicos de Van Gogh (Felix Rey, um dos primeiros médicos que o atendeu, tinha amplos conhecimentos de epilepsia e dos problemas mentais associados a ela) além do famoso neurologista francês Henri Gastaut, corroboram esta hipótese.

Basicamente três grandes elementos sustentam a teoria da epilepsia:

1) Alterações de humor e sintomas psicóticos (possível psicose pós-ictal) que se manisfestavam após "crises" onde Van Gogh dizia-se num estado de sonho, no qual não sabia exatamente o que se passava ao seu redor (possíveis crises parciais complexas) ou quando recobrava a consciência após ser encontrado desmaiado (possíveis crises secundariamente generalizadas).

2) Traços de personalidade caracterizados por hiperreligiosidade, viscosidade e hiperemocionalidade, sabidamente comuns em pacientes com epilepsia do lobo temporal. Gastaut, mais tarde, descreveria a síndrome de Gastaut-Geschwind, que nada mais é do que a transformação da personalidade pela epilepsia do lobo temporal, que ocorre em alguns pacientes com este tipo de epilepsia.

3) Artemisia absinthium. A bebida mais consumida na França entre os frequentadores do meio artístico na época era o Absinto. Composto de extrato de óleos (cânfora e thujone) e grande concentração de álcool, o absinto daquela época era bem mais nocivo do que o absinto que conhecemos hoje*. Sabidamente uma bebida epileptogênica, o abstinto pode ter precipitado ou agravado as crises de Van Gogh, que fazia uso regular dela.

Recentemente, alguns autores (Hughes JR, 2005) questionaram a hipótese da epilepsia alegando que, na verdade, ninguém nunca presenciou ou descreveu uma crise epiléptica típica em Van Gogh. Mais ainda, Scorza e Cavalheiro (pesquisadores brasileiros), levantaram a possibilidade de que Van Gogh pudesse ter desenvolvido seu quadro de desmaios em função de uma desnutrição causada pela má alimentação e o alcoolismo. De fato, podemos supor que as dificuldades financeiras de Van Gogh não lhe proporcionavam banquetes fartos. Fato curioso pórem, levantado pelos mesmos autores numa recente carta aos editores da Epilepsy and Behavior, é que o consumo de peixe (refeição também comum na França daquela época) poderia ter salvado Van Gogh. O ômega-3, um ácido graxo essencial abundante nos peixes, tem propriedades neuroproteroras (aumenta o limiar convulsivo em animais, por exemplo) e antidepressivas, demonstradas em alguns estudos clínicos. Se Van Gogh tivesse vendido alguns poucos quadros em vida, poderia ter se dado ao luxo de saborear semanalmente um ou outro prato com salmão.

Mas será que isso realmente teria evitado a evolução de sua possível epilepsia?


Vários estudos tentaram demonstrar os efeitos antiepilépticos do ômega-3 em pacientes com epilepsia crônica ou refratária. Yuen e Sander (outro brasileiro) em 2005, fizeram um estudo duplo-cego, controlado com placebo e suplementação da dieta com doses altas de ômega-3, em 58 pacientes com epilepsia. Os resultados mostraram que, apesar de haver uma melhora inicial no controle de crises no grupo que tomava ômega-3, após 6 semanas não havia diferença de melhora entre grupo placebo e grupo com suplementação.


Em outro estudo de Bromfield e Dworetzky, que avaliou 21 pacientes com epilepsia refratária, em 2008, a suplementação com PUFA (polyunsaturated fatty acids) também não conseguiu se mostrar superior ao placebo durante as 16 semanas do estudo.


Mesmo que Van Gogh frequentasse o mercado de peixes, dificilmente deixaria de ter epilepsia.

*se imaginava que a concentração de Thujone (substância epileptogênica) no abstinto antigo era de 260 mg por litro (algo absurdamente alto) quando na verdade parece não ser superior a 6mg/L.

ResearchBlogging.orgScorza FA, Cavalheiro EA, Arida RM, & Hughes JR (2010). Did Vincent van Gogh eat fish? Epilepsy & behavior : E&B, 17 (2) PMID: 20042371


ResearchBlogging.orgBromfield E, Dworetzky B, Hurwitz S, Eluri Z, Lane L, Replansky S, & Mostofsky D (2008). A randomized trial of polyunsaturated fatty acids for refractory epilepsy. Epilepsy & behavior : E&B, 12 (1), 187-90 PMID: 18086463

ResearchBlogging.orgYuen AW, Sander JW, Fluegel D, Patsalos PN, Bell GS, Johnson T, & Koepp MJ (2005). Omega-3 fatty acid supplementation in patients with chronic epilepsy: a randomized trial. Epilepsy & behavior : E&B, 7 (2), 253-8 PMID: 16006194

15 de abril de 2010

Pittsburgh compound B: uma evolução da neuroimagem em Alzheimer

Os estudos de neuroimagem funcional, apesar de não definirem o diagnóstico de Alzheimer ou de qualquer outro tipo de demência (o diagnóstico é sempre clínico), nos fornecem informações úteis sobre áreas cerebrais específicas que estão hipofuncionantes (metabolismo reduzido), neste tipo de doença. Para alguns tipos raros de demência ou demências de difícil diagnóstico (como a demência fronto-temporal em sua fases iniciais), essa informação pode revelar pistas importantes para o diagnóstico precoce.

Recentemente, em uma entrevista ao
The Carlat Psychiatry Report (edição de abril), Scott Small, professor associado do departamento de Neurologia da Columbia University, revelou que, as pesquisas mais recentes em neuroimagem funcional para o diagnóstico de Alzheimer se concentram em um traçador de PET chamado Pittsburgh compound B (PIB). O PIB carrega uma enorme vantagem sobre outros traçadores comuns (que em geral marcam glicose) usados em neuroimagem. Ele se liga especificamente em compostos com ß-amilóide, um marcador histopatológico específico da doença de Alzheimer. O acúmulo de ß-amilóide no cérebro é um dos eventos histopatólogicos sabidamente reponsáveis pelo desenvolvimento desta doença e tal acúmulo ocorre em áreas especificas do cérebro como o córtex frontal, parietal e o corpo estriado.


PIB e sua estrutura química (C14H12N2OS)


O PIB é um análogo fluorescente da Tioflavina T e foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Pittsburgh em colaboração com a Universidade de Uppsala, na Suécia. Os pesquisadores suecos apelidaram o composto de "PIB" em homenagem aos americanos.

Em 2004, William E. Klunk e Henry Engler, junto com colaboradores suecos, publicaram os primeiros resultados do uso do PIB em humanos, no periódico
Annals of Neurology. O estudo comparou as imagens de 16 pacientes com Alzheimer e 9 controles (6 idosos e 3 jovens) em duas situações: após injeção do PIB e de 18FDG (glicose marcada), como radiotraçadores. O PIB conseguiu, com sucesso, marcar as regiões de depósito de ß-amilóide nos pacientes e controles de maneira a distinguí-los. Entretanto, como todo e qualquer método diagnóstico, há limitações.

Um dos pacientes idosos do grupo controle apresentou um padrão de distibruição do PIB compatível com Alzheimer apesar de, clinicamente, não ter a doença (um falso positivo ou amilódide positivo assintomático). No grupo caso, 3 pacientes com Alzheimer leve (MEEM entre 28 e 29), apresentaram distribuição do PIB semelhante ao das pessoas saudáveis, o que pode mostrar insensibilidade do método ou que o diagnóstico clínico de Alzheimer nesses pacientes, não seria confirmado na análise postmortem. A imagem ao lado mostra uma comparação do PET com PIB em um paciente com Alzheimer versus um controle saudável. As imagens em vermelho revelam a ligação do PIB com as placas de ß-amilóide. O estudo mostrou ainda que existe uma correlação inversa entre o PET usando PIB e 18FDG (que normalmente mostra uma redução de metabolismo no córtex temporo-parietal).

A demência de Alzheimer ainda não possui marcadores biológicos inequívocos, sendo o diagnóstico de probabilidade sempre clínico (o de certeza é sempre anatomopatológico). Entretanto, uma série de marcadores candidatos como APOE4, beta-amilóide 42 (Aß42), Tau total e fosfo-tau, podem ajudam a identificar a doença em seu estágio inicial. Os estudos de neuroiamgem caminham na mesma direção...

ResearchBlogging.orgKlunk, W., Engler, H., Nordberg, A., Wang, Y., Blomqvist, G., Holt, D., Bergstrom, M., Savitcheva, I., Huang, G., Estrada, S., Ausen, B., Debnath, M., Barletta, J., Price, J., Sandell, J., Lopresti, B., Wall, A., Koivisto, P., Antoni, G., Mathis, C., & Langstrom, B. (2004). Imaging brain amyloid in Alzheimer's disease with Pittsburgh Compound-B Annals of Neurology, 55 (3), 306-319 DOI: 10.1002/ana.20009

13 de abril de 2010

Eletroconvulsoterapia: eficaz no tratamento do status epilepticus

A Eletroconvulsoterapia (ECT) tem diversas indicações de uso em psiquiatria. Ao contrário do que a grande maioria do público leigo imagina a ECT continua sendo utilizada na prática médica atual (no Brasil e nos grandes centros de medicina no mundo), mostrando-se tão ou mais eficaz do que qualquer novo psicofármaco recém descoberto. Obviamente, o método de aplicação deste procedimento evoluiu muito nas últimas décadas, sendo, no grandes centros universitários, sempre realizado em ambiente hospitalar, sob anestesia e supervisão de um médico psiquiatra e um anestesista. As indicações mais comuns para o uso da ECT são os quadros de humor (depressão e transtorno bipolar) graves ou refratários e os quadros psicóticos primários (basicamente a esquizofenia), também graves ou refratários. Nos quadros catatônicos, secundários a doença mental (excluindo-se aqui a catatonia de origem conversiva/dissociativa), a ECT é o tratamento de primeira escolha, em geral associado ao uso de benzodiazepínicos.

Ao contrário também do que muitos imaginam, o uso da ECT não é nocivo ou danoso ao cérebro, tão pouco deixa "sequelas", como muitos pregam por aí. Efeitos colaterais ocorrem e são, na grande maioria das vezes, relacionados a um déficit mnéstico recente, que se reverte após a interrupção das aplicações. Com certeza a ECT tem menos efeitos colaterais do que a grande maioria dos antidepressivos e antipsicóticos vendidos no mercado (desde os mais antigos até os mais "modernos"). O risco do procedimento todo (aplicação+anestesia) é comparável ao de uma pequena cirurgia, as intercorrências clínicas durante e após a aplicação são raras (quando todos os procedimentos de avaliação pré-ECT foram executados). Para se ter uma dimensão, nos últimos 30 anos, o serviço de ECT do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP realizou cerca de 125 ECTs por semana, ou seja, nada mais do que 210 mil sessões de ECT. O número de intercorrências fatais foi NULA. Isso mesmo, zero!

Outras indicações, menos conhecidas, porém não menos importantes, incluem os quadros neuropsiquiátricos. Basicamente entenda-se aqui a epilepsia e o mal de Parkinson. Pacientes com epilepsia refratária (mais comumente a epilepsia do lobo temporal com ou sem esclerose mesial), por mais paradoxal que pareça, têm sua frequência de crises reduzidas com o uso da ECT. Pacientes com mal de Parkinson que são pouco reponsivos ao tratamento farmacológico, apresentam melhora significativa dos sintomas motores após sessões de ECT.

A edição de abril do periódico Neurocritical Care, traz um artigo dos autores Kamel e Cornes, da Universidade da Califórnia em São Francisco, mostrando a eficácia da ECT em pacientes com estado de mal epiléptico (status epilepticus). O artigo relata uma série curta de três casos com suspeita de encefalite viral que evoluíram com status epilepticus refratário. Todos os três pacientes receberam doses maciças de fenitoína, fenobarbital, pentobarbital, levetiracetam e ketamina, sem resposta. Todos os pacientes, com certeza em UTI, permaneceram por mais de 30 dias em status epilepticus, uma condição sabidamente grave e letal. A ECT foi iniciada após o consentimento da família, sob anestesia. Dois dos três pacientes saíram do estado de mal após as aplicações de ECT. Uma paciente (o caso 2 do estudo) evoluiu para óbito após complicações clínicas (falência renal e pneumonia multi-resistente) não relacionadas a ECT.

A figura acima mostra a evolução do traçado do EEG do caso 1. A figura A e B mostram o status focal. A figura C mostra a crise generalizada induzida pelo ECT. A figura D mostra a remissão do status após o ECT.

O interessante nesta série de casos foi a maneira como a ECT foi aplicada. Nomalmente a sessões são únicas e aplicadas de 2 a 3 vezes por semana (dose de ataque). Os autores em questão realizaram múltiplas sessões de ECT num mesmo dia, durante um período de 5 dias. O paciente 1, por exemplo, recebeu 4 ciclos de ECT (com 3 a 4 aplicações no mesmo ciclo) em 5 dias. Um ciclo de ECT consistiu em uma série de aplicações num curto espaço de tempo (cerca de 3 aplicações em 1 hora). Outro dado relevante foi a carga utilizada, 509mC em média, bem acima dos 100 a 150mC usados habitualmente. Obviamente, isso faz algum sentido, pois para provocar uma crise generalizada em um cérebro em status, sob efeitos de várias drogas antiepilépticas, além da inibição própria do SNC que tenta abortar o status, é necessário uma carga maior.

A eletroconvulsoterapia, quando bem indicada, salva vidas.

ResearchBlogging.orgKamel H, Cornes SB, Hegde M, Hall SE, & Josephson SA (2010). Electroconvulsive therapy for refractory status epilepticus: a case series. Neurocritical care, 12 (2), 204-10 PMID: 19809802

12 de abril de 2010

Privação de sono e seu efeito no humor

Insônia é um sintoma que pode ser definido como dificuldade em iniciar e/ou manter o sono, presença de sono não reparador, ou seja, insuficiente para manter uma boa qualidade de alerta e bem-estar físico e mental durante o dia, com o comprometimento conseqüente do desempenho nas atividades diurnas. Cerca de 10 a 20% da população mundial sofre com algum tipo de insônia (assim como o autor deste blog). Esses valores variam, obviamente, de acordo com diferentes tipos de estudos, podendo-se encontrar prevalências de insônia em até 30% das pessoas, como sugere um estudo feito em Mannheim, na Alemanha (Hohagen e cols, 1994).

Variação da insônia por faixa etária

Idosos, pessoas com doenças crônicas (inclusive os roncadores crônicos que também perpetuam a insônia nos conjugês) e portadores de algum transtorno mental são os que mais sofrem deste mal que não só causa desconforto, como pode trazer consequências negativas à saúde. Diversos estudos apontam que as pessoas que dormem mal apresentam maior sonolência diurna, menor capacidade de atenção, dificuldades de memória e concentração. Em última análise, as pessoas que dormem mal tendem a viver menos do que as pessoas que tem um sono regrado.

Dormir obviamente é fundamental e um sono adequado permite a consolidação de informações relevantes, adquiridas durante o dia, na forma de memória. Sonhar também é primordial. Nos sonhos, as nossas memórias são remixadas e reformuladas. Nos últimos anos, os cientistas descobriram que o sono REM (fase do sono onde ocorrem os sonhos) não é apenas essencial para a formação de memórias de longo prazo: ele também pode ser um componente essencial da criatividade.

Curiosamente existe um lado positivo na insônia. A privação de sono, realizada sob orientação médica, melhora de maneira rápida e sensível o humor, esteja a pessoa deprimida ou não. A eficácia da privação de sono no tratamento da depressão está documentada em mais de 75 publicações científicas que, nos últimos 40 anos, avaliaram mais de 1.700 pacientes. Os achados são robustos, isto é, consistentes. Apesar disso, mesmo no meio médico, poucos tem conhecimento do fato e, raramente, usam a privação de sono como método de acelerar a resposta a antidepressivos, por exemplo.

Uma revisão dos estudos de neuroimagem funcional em pacientes deprimidos submetidos á privação de sono, feita por Christian Gillin e cols, do departamento de psiquiatria da USCD, mostrou que existe uma hiperativação do cíngulo anterior e do córtex pré-frontal nos pacientes deprimidos, que se reverte após a privação do sono. O estudo de Gillin revisa 7 artigos publicados em 5 diferentes centros de pesquisa, usando PET ou SPECT como método de estudo do funcionamento cerebral. Em três desses "papers" a magnitude da reversão da hiperativação cortical se correlacionou com a magnitude da melhora clínica observada. Se esse achados tem base em alterações fisiopatológicas ou etiopatogênicas da depressão, isso já é difícil de definir (pra não dizer impossível), mas criam espaço, pelo menos, para novos estudos de psicofármacos mais rapidamente eficazes, por exemplo.

ResearchBlogging.orgGillin, J., Buchsbaum, M., Wu, J., Clark, C., & Bunney, W. (2001). Sleep deprivation as a model experimental antidepressant treatment: Findings from functional brain imaging Depression and Anxiety, 14 (1), 37-49 DOI: 10.1002/da.1045

8 de abril de 2010

Loucura e arte: um elo comum?

A genialidade do ballet de Vaslav Nijinski (dotado de uma técnica extraordinária e por isso chamado o deus da dança), da pintura de Vincent Van Gogh, das esculturas de Camille Claudel, dos modelos matemáticos e jogos criados por John Nash e das obras de Arthur Bispo do Rosário, são exemplos clássicos da consangüinidade entre psicose (seja ela esquizofrênica ou não) e criatividade. Diversos outros personagens poderiam ser citados aqui como exemplos da associação entre uma extrema capacidade criativa e a presença, no decorrer de suas vidas, de sintomas psicóticos.

Mas qual a relação entre loucura e arte? A associação entre essas duas situações é fruto do acaso, algo que ocorre por um capricho, ou há uma ligação mais íntima e desconhecida entre elas?

O gene NRG1, que codifica a proteína Neuregulin 1, é um candidato promissor na susceptibilidade ao desenvolvimento da esquizofrenia e apresenta um papel fundamental no desenvolvimento e plasticidade no sistema nervoso central. O NRG1, localizado no cromossomo 8, apresenta-se quase sempre, como um possível fator de risco ao desenvolvomento de sintomas psicóticos nos estudos de associação genética em psiquiatria (esse sim, uma acho replicado em diversos estudos, ou seja, algo mais consistente).

A presença de dois alelos do NRG1 (genótipo T/T) aumenta o risco de um indivíduo apresentar sintomas psicóticos em algum momento de sua vida, bem como se associa com hipoativação do córtex pré-frontal, achado comum nos estudos de neuroimagem funcional em pessoas com esquizofrenia, segundo estudo publicado por Jeremy Hall, da Universidade de Edinburgh, na Nature Neuroscience em 2006.

Em 2009, o pesquisador Szabolcs Kéri, da Universidade Semmelweis
em Budapest, publicou um estudo na Psychological Science, que associa o mesmo genótipo T/T (do gene NRG1/Neuregulin 1) com um aumento da capacidade criativa. Szabolcs comparou o genótipo de 200 pessoas sem transtorno mental para o NRG1 e aplicou testes padronizados para avaliar criatividade (originalidade, fluência e flexibilidade). Também analisou a influência do QI, educação, status sócio-econômico, sexo, idade e a presença de traços esquizotípicos de personalidade como possíveis viéses para os resultados. As pessoas com genótipo T/T foram significativamente mais criativas do que as pessoas com genótipo C/T (segundo grupo mais criativo) e C/C (grupo menos criativo), independentemente de qualquer outra variável.

O que isso sugere?


Se os autores estiverem corretos, os achados sugerem que o mesmo gene que nos torna exímios criadores, inovadores, capazes de perceber nuances e detalhes nas coisas mais simples, que não chamam a atenção de pessoas "comuns", também podem nos tornar delirantes, percebendo sinais de que conspiram contra nós, encontrando evidências de que "o mundo nos observa" para nos prejudicar, evidências essas que, na verdade, não são compartilhadas. O limite entre uma coisa e outra é muito tênue...

ResearchBlogging.orgKéri S (2009). Genes for psychosis and creativity: a promoter polymorphism of the neuregulin 1 gene is related to creativity in people with high intellectual achievement. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS, 20 (9), 1070-3 PMID: 19594860

ResearchBlogging.orgHall, J., Whalley, H., Job, D., Baig, B., McIntosh, A., Evans, K., Thomson, P., Porteous, D., Cunningham-Owens, D., Johnstone, E., & Lawrie, S. (2006). A neuregulin 1 variant associated with abnormal cortical function and psychotic symptoms Nature Neuroscience, 9 (12), 1477-1478 DOI: 10.1038/nn1795

5 de abril de 2010

Matrix Rewired: como você decide?

O dia está chuvoso e Morpheus oferece a você duas opções: tomando a pílula vermelha você experimentará uma série de reações e em seguida conhecerá o que é a Matrix e saberá a verdade sobre as coisas. Se tomar a pílula azul irá adormecer num sono profundo e, quando despertar, não se lembrá de nada do que aconteceu neste dia. Qual pílula você tomaria?


Sem dúvida, os segundos de hesitação anteriores á sua resposta servirão como pano de fundo para o embate entre os prós e contras de cada uma das opções. Alguns dirão que seria o embate entre o lado racional e o emocional do cerébro, sendo o primeiro o responsável pela tomada da decisão baseada na lógica e na razão, e o segundo pelos atos impensados, impulsivos. Mas como tomar a decisão correta? Estamos sempre tomando as decisões racionalmente?

Para Jonah Lehrer, neurocientista e escritor, não. Em seu brilhante e didático livro "How We Decide" Jonah percorre os principais circuitos e estruturas cerebrais envolvidos na gênese do processo de decisão. Para ele, o processo decisório envolve, de maneira resumida, uma série de "conversas" entre estruturas lógicas como o Córtex Pré-Frontal (CPF); estruturas ativadas pelo desejo (também parte do sistema de recompensa) como o Nucleo Acumbens (NAc); estruturas emocionais como a amígdala e estruturas que se ativam na presença de sentimentos aversivos gerados por uma situação ou objeto, como a ínsula. Uma outra estrutura chamada Córtex Cingulado Anterior (CCA) articula essa "conversa" monitorando ao mesmo tempo a consciência e as funções internas do corpo. Na grande maioria das vezes, acabamos por tomar uma decisão sem sabermos exatamente o por quê da escolha, mas jugalmos quase sempre termos escolhido racionalmente. Isto significa que damos, muitas vezes, um significado "racional" a decisões tomadas intuitivamente, justificando assim nosso ato. Talvez isso nos faça entender melhor a resposta do Oráculo a Neo, no filme Matrix, quando ele insistentemente perguntava: Qual caminho escolher?

- "Vc já escolheu. Deve somente entender por que fez essa escolha".

Voltemos as pílulas. Tomar a pílula vermelha lhe parece mais interessante pois você, como bom curioso, deseja saber o que se esconde atrás da Matrix. Nesse momento, seu NAc se ativa vívidamente, favorecendo esta escolha. Entretanto, tomar a pílula vermelha implica em ter uma série de reações adversas e desagrádaveis. A percepção disto ativa a ínsula que imediatamente inibe o desejo gerado pelo Nac. A ínsula é muito poderosa em inibir desejos, quando percebe que algo muito desagrável pode ocorrer em consequência de uma escolha. Você volta a ficar na dúvida. Pensa então na pílula azul, que simplesmente não lhe confere nenhum risco, mas também não lhe dá nada além da mesmice. Seu CPF, ainda inseguro tenta, racionamelnte, definir qual a melhor opção. Eis que Morpheus revela, subitamente, que os efeitos colaterais da pílula vermelha são efêmeros e toleráveis. Essa informação simplesmente desativa a ínsula que, por sua vez, libera a ativação do NAc. A pílula vermelha torna-se irresistível....

Knutson e Loewenstein em 2007 demonstraram, por exemplo, que as relações entre PFC, NAc e ínsula conseguem predizer quando uma pessoa irá decidir por comprar algo, antes mesmo da decisão ser tomada. Em um experimento com 26 estudantes do ensino médio, apresentaram uma série de diferentes objetos a serem desejados (estímulo que ativa NAc) e em seguida mostraram os preços dos mesmos (estímulo que ativa ínsula). Basicamente, os autores comprovaram que, a escolha de comprar ou não um produto não é meramente uma relação lógica tipo custo-benefício, mas sim uma relação de "prazer x dor", baseada no cérebro emocional.

ResearchBlogging.orgKnutson, B., Rick, S., Wimmer, G., Prelec, D., & Loewenstein, G. (2007). Neural Predictors of Purchases Neuron, 53 (1), 147-156 DOI: 10.1016/j.neuron.2006.11.010

2 de abril de 2010

Publicações científicas: "uma verdade inconveniente"

A comunidade médico-científica está infestada de periódicos e revistas sobre as mais diversas doenças, abordando temas infinitos que vão desde a genética do prurido até a influência da religião na capacidade intelectual das pessoas. Até aí, nada de anormal. Cada um pesquisa o que quer e publica (ou tenta) onde bem entender. Nada mais justo e democrático. Como regra geral, pesquisadores tentam publicar seus achados em periódicos com um alto fator de impacto pois, quanto maior o fator de impacto, maior a credibilidade da revista, melhor para o seu currículo e maior a chance de alguém ler o que você publicou. Certo? Nem sempre.

Quem, atualmente, lê um periódico do início ao fim? Ou melhor: quem atualmente lê algum periódico?


Posso responder, sem pensar muito, que poucos. E mais, especulo ainda que o número de pessoas que o faz é inversamente proporcional á sua faixa etária. Os motivos são simples:
  • PubMed! O PubMed é um banco de dados que possibilita a pesquisa bibliográfica em mais de 17 milhões de referências de artigos médicos , publicados em cerca de 5.000 revistas científicas, criado pela U.S. National Library of Medicine (NLM®). Basicamente, apenas digitando as palavras-chave do tema que me interessa posso achar todos os artigos publicados em periódicos indexados sobre aquele tema, seja o "paper" publicado ontem ou há 30 anos. Fantástico! A riqueza e importância dessa ferramenta são indiscutíveis. Sendo assim, basta que minha pesquisa seja publicada em uma revista indexada, para que ela "nasça" para a comunidade científica.
  • É impossivel ler 5.000 periódicos/mês, na verdade, com tantos periódicos é dificil selecionar quais ler ou não ler. Daí a importância de uma ferramenta como o PubMed que consegue selecionar, com exatidão, os "papers" específicos da sua área de interesse.
Mas o que está por trás disto? Não é difícil imaginar que algumas limitações decorram de todo este progresso. Aqui vão alguns "insights":
  • É pouco provável que um pesquisador que lê somente temas da sua área consiga ter acesso a novas perspectivas de pesquisa, eventualmente descobertas, em outras áreas.
  • A leitura pura e simples de um artigo, frequentemente, gera conclusões precipitadas. Para isso praticamente toda boa revista indexada (e aí servem como modelos a Nature, Science e NEJM) possui um corpo editorial que, a cada exemplar, contextualiza e comenta os artigos publicados, exaltando suas virtudes e limitações.
  • A proliferação de pesquisadores, publicações e, consequentemente, de periódicos traz um grande problema. Nem tudo o que se publica é verdade. Talvez, muito pouco do que se publique seja, de fato, verdadeiro.
  • Informações científicas publicadas em revistas indexadas ganham, para o publico leigo, status automático de verdade absoluta, gerando, ás vezes, alarde ou euforia na mídia.
Em 2005, John Ioannidis do Departamento de Medicina da Universidade de Tufts (uma universidade renomada em Boston), publicou um intrigante trabalho mostrando, através de análise metodológica, que a grande maioria dos achados atuais em pesquisa médica são falsos. Isto significa que, os resultados encontrados em uma determinada pesquisa, acabam nunca sendo replicados em outra semelhante. Os estudos de neuroimagem funcional e associação de genes em psiquiatria são exemplos claros disto, sendo motivo de debates fervorosos na comunidade científica, recentemente. A questão é que a probabilidade de um resultado, de uma determinada pesquisa, ser verdadeiro, depende da probabilidade prévia da hipótese testada ser verdadeira, do "poder" estatístico do estudo e do nível de significância estatístico adotado. Acontece que este último quesito, acaba sendo o único levado em consideração para a aceitação da veracidade de um achado.

Talvez devêssemos nos preocupar mais com o que lemos e mais ainda com a maneira como lemos.

ResearchBlogging.orgIoannidis, J. (2005). Why Most Published Research Findings Are False PLoS Medicine, 2 (8) DOI: 10.1371/journal.pmed.0020124
 
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