13 de abril de 2010

Eletroconvulsoterapia: eficaz no tratamento do status epilepticus

A Eletroconvulsoterapia (ECT) tem diversas indicações de uso em psiquiatria. Ao contrário do que a grande maioria do público leigo imagina a ECT continua sendo utilizada na prática médica atual (no Brasil e nos grandes centros de medicina no mundo), mostrando-se tão ou mais eficaz do que qualquer novo psicofármaco recém descoberto. Obviamente, o método de aplicação deste procedimento evoluiu muito nas últimas décadas, sendo, no grandes centros universitários, sempre realizado em ambiente hospitalar, sob anestesia e supervisão de um médico psiquiatra e um anestesista. As indicações mais comuns para o uso da ECT são os quadros de humor (depressão e transtorno bipolar) graves ou refratários e os quadros psicóticos primários (basicamente a esquizofenia), também graves ou refratários. Nos quadros catatônicos, secundários a doença mental (excluindo-se aqui a catatonia de origem conversiva/dissociativa), a ECT é o tratamento de primeira escolha, em geral associado ao uso de benzodiazepínicos.

Ao contrário também do que muitos imaginam, o uso da ECT não é nocivo ou danoso ao cérebro, tão pouco deixa "sequelas", como muitos pregam por aí. Efeitos colaterais ocorrem e são, na grande maioria das vezes, relacionados a um déficit mnéstico recente, que se reverte após a interrupção das aplicações. Com certeza a ECT tem menos efeitos colaterais do que a grande maioria dos antidepressivos e antipsicóticos vendidos no mercado (desde os mais antigos até os mais "modernos"). O risco do procedimento todo (aplicação+anestesia) é comparável ao de uma pequena cirurgia, as intercorrências clínicas durante e após a aplicação são raras (quando todos os procedimentos de avaliação pré-ECT foram executados). Para se ter uma dimensão, nos últimos 30 anos, o serviço de ECT do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP realizou cerca de 125 ECTs por semana, ou seja, nada mais do que 210 mil sessões de ECT. O número de intercorrências fatais foi NULA. Isso mesmo, zero!

Outras indicações, menos conhecidas, porém não menos importantes, incluem os quadros neuropsiquiátricos. Basicamente entenda-se aqui a epilepsia e o mal de Parkinson. Pacientes com epilepsia refratária (mais comumente a epilepsia do lobo temporal com ou sem esclerose mesial), por mais paradoxal que pareça, têm sua frequência de crises reduzidas com o uso da ECT. Pacientes com mal de Parkinson que são pouco reponsivos ao tratamento farmacológico, apresentam melhora significativa dos sintomas motores após sessões de ECT.

A edição de abril do periódico Neurocritical Care, traz um artigo dos autores Kamel e Cornes, da Universidade da Califórnia em São Francisco, mostrando a eficácia da ECT em pacientes com estado de mal epiléptico (status epilepticus). O artigo relata uma série curta de três casos com suspeita de encefalite viral que evoluíram com status epilepticus refratário. Todos os três pacientes receberam doses maciças de fenitoína, fenobarbital, pentobarbital, levetiracetam e ketamina, sem resposta. Todos os pacientes, com certeza em UTI, permaneceram por mais de 30 dias em status epilepticus, uma condição sabidamente grave e letal. A ECT foi iniciada após o consentimento da família, sob anestesia. Dois dos três pacientes saíram do estado de mal após as aplicações de ECT. Uma paciente (o caso 2 do estudo) evoluiu para óbito após complicações clínicas (falência renal e pneumonia multi-resistente) não relacionadas a ECT.

A figura acima mostra a evolução do traçado do EEG do caso 1. A figura A e B mostram o status focal. A figura C mostra a crise generalizada induzida pelo ECT. A figura D mostra a remissão do status após o ECT.

O interessante nesta série de casos foi a maneira como a ECT foi aplicada. Nomalmente a sessões são únicas e aplicadas de 2 a 3 vezes por semana (dose de ataque). Os autores em questão realizaram múltiplas sessões de ECT num mesmo dia, durante um período de 5 dias. O paciente 1, por exemplo, recebeu 4 ciclos de ECT (com 3 a 4 aplicações no mesmo ciclo) em 5 dias. Um ciclo de ECT consistiu em uma série de aplicações num curto espaço de tempo (cerca de 3 aplicações em 1 hora). Outro dado relevante foi a carga utilizada, 509mC em média, bem acima dos 100 a 150mC usados habitualmente. Obviamente, isso faz algum sentido, pois para provocar uma crise generalizada em um cérebro em status, sob efeitos de várias drogas antiepilépticas, além da inibição própria do SNC que tenta abortar o status, é necessário uma carga maior.

A eletroconvulsoterapia, quando bem indicada, salva vidas.

ResearchBlogging.orgKamel H, Cornes SB, Hegde M, Hall SE, & Josephson SA (2010). Electroconvulsive therapy for refractory status epilepticus: a case series. Neurocritical care, 12 (2), 204-10 PMID: 19809802

Um comentário:

  1. No caso da depressão clínica é a saída desesperada que a psiquiatria oferece após a tentativa de 6 ou 8 antidepressivos.
    Discordamos muito aqui. Eu fico com a palavra do paciente.
    Sempre do lado do paciente e infelizmente poucos querem escutar.
    Estes dados de pesquisas... depende de muita coisa e a menção a uma fonte em inglês faz parecer que estamos falando de ciência exata.
    Não. O que se sabe do cérebro é nada. O que se sabe de neurotransmissores do corpo biológico: químico, físico, elétrico e todo o intrincado mecanismo que rege esta orquestra é nada para que se possa afirmar categoricamente:
    "..... salva vidas."
    Desculpe mas isto é inaceitável.

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