2 de abril de 2010

Publicações científicas: "uma verdade inconveniente"

A comunidade médico-científica está infestada de periódicos e revistas sobre as mais diversas doenças, abordando temas infinitos que vão desde a genética do prurido até a influência da religião na capacidade intelectual das pessoas. Até aí, nada de anormal. Cada um pesquisa o que quer e publica (ou tenta) onde bem entender. Nada mais justo e democrático. Como regra geral, pesquisadores tentam publicar seus achados em periódicos com um alto fator de impacto pois, quanto maior o fator de impacto, maior a credibilidade da revista, melhor para o seu currículo e maior a chance de alguém ler o que você publicou. Certo? Nem sempre.

Quem, atualmente, lê um periódico do início ao fim? Ou melhor: quem atualmente lê algum periódico?


Posso responder, sem pensar muito, que poucos. E mais, especulo ainda que o número de pessoas que o faz é inversamente proporcional á sua faixa etária. Os motivos são simples:
  • PubMed! O PubMed é um banco de dados que possibilita a pesquisa bibliográfica em mais de 17 milhões de referências de artigos médicos , publicados em cerca de 5.000 revistas científicas, criado pela U.S. National Library of Medicine (NLM®). Basicamente, apenas digitando as palavras-chave do tema que me interessa posso achar todos os artigos publicados em periódicos indexados sobre aquele tema, seja o "paper" publicado ontem ou há 30 anos. Fantástico! A riqueza e importância dessa ferramenta são indiscutíveis. Sendo assim, basta que minha pesquisa seja publicada em uma revista indexada, para que ela "nasça" para a comunidade científica.
  • É impossivel ler 5.000 periódicos/mês, na verdade, com tantos periódicos é dificil selecionar quais ler ou não ler. Daí a importância de uma ferramenta como o PubMed que consegue selecionar, com exatidão, os "papers" específicos da sua área de interesse.
Mas o que está por trás disto? Não é difícil imaginar que algumas limitações decorram de todo este progresso. Aqui vão alguns "insights":
  • É pouco provável que um pesquisador que lê somente temas da sua área consiga ter acesso a novas perspectivas de pesquisa, eventualmente descobertas, em outras áreas.
  • A leitura pura e simples de um artigo, frequentemente, gera conclusões precipitadas. Para isso praticamente toda boa revista indexada (e aí servem como modelos a Nature, Science e NEJM) possui um corpo editorial que, a cada exemplar, contextualiza e comenta os artigos publicados, exaltando suas virtudes e limitações.
  • A proliferação de pesquisadores, publicações e, consequentemente, de periódicos traz um grande problema. Nem tudo o que se publica é verdade. Talvez, muito pouco do que se publique seja, de fato, verdadeiro.
  • Informações científicas publicadas em revistas indexadas ganham, para o publico leigo, status automático de verdade absoluta, gerando, ás vezes, alarde ou euforia na mídia.
Em 2005, John Ioannidis do Departamento de Medicina da Universidade de Tufts (uma universidade renomada em Boston), publicou um intrigante trabalho mostrando, através de análise metodológica, que a grande maioria dos achados atuais em pesquisa médica são falsos. Isto significa que, os resultados encontrados em uma determinada pesquisa, acabam nunca sendo replicados em outra semelhante. Os estudos de neuroimagem funcional e associação de genes em psiquiatria são exemplos claros disto, sendo motivo de debates fervorosos na comunidade científica, recentemente. A questão é que a probabilidade de um resultado, de uma determinada pesquisa, ser verdadeiro, depende da probabilidade prévia da hipótese testada ser verdadeira, do "poder" estatístico do estudo e do nível de significância estatístico adotado. Acontece que este último quesito, acaba sendo o único levado em consideração para a aceitação da veracidade de um achado.

Talvez devêssemos nos preocupar mais com o que lemos e mais ainda com a maneira como lemos.

ResearchBlogging.orgIoannidis, J. (2005). Why Most Published Research Findings Are False PLoS Medicine, 2 (8) DOI: 10.1371/journal.pmed.0020124

2 comentários:

  1. Eu diria que hoje, quase acabando a pos, eh que posso ler com um minimo de criterio um artigo científico.
    E passo entao a ficar cada vez menos interessado neles...
    Valorizo entao mais ainda a importancia de alguem que o faz com afinco como vc!! Parabéns!

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  2. Valeu Caco!
    Com certeza vc tem critério suficiente para ler qualquer artigo. Agradeço o interesse pela leitura desde recém nascido blog!

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