5 de abril de 2010

Matrix Rewired: como você decide?

O dia está chuvoso e Morpheus oferece a você duas opções: tomando a pílula vermelha você experimentará uma série de reações e em seguida conhecerá o que é a Matrix e saberá a verdade sobre as coisas. Se tomar a pílula azul irá adormecer num sono profundo e, quando despertar, não se lembrá de nada do que aconteceu neste dia. Qual pílula você tomaria?


Sem dúvida, os segundos de hesitação anteriores á sua resposta servirão como pano de fundo para o embate entre os prós e contras de cada uma das opções. Alguns dirão que seria o embate entre o lado racional e o emocional do cerébro, sendo o primeiro o responsável pela tomada da decisão baseada na lógica e na razão, e o segundo pelos atos impensados, impulsivos. Mas como tomar a decisão correta? Estamos sempre tomando as decisões racionalmente?

Para Jonah Lehrer, neurocientista e escritor, não. Em seu brilhante e didático livro "How We Decide" Jonah percorre os principais circuitos e estruturas cerebrais envolvidos na gênese do processo de decisão. Para ele, o processo decisório envolve, de maneira resumida, uma série de "conversas" entre estruturas lógicas como o Córtex Pré-Frontal (CPF); estruturas ativadas pelo desejo (também parte do sistema de recompensa) como o Nucleo Acumbens (NAc); estruturas emocionais como a amígdala e estruturas que se ativam na presença de sentimentos aversivos gerados por uma situação ou objeto, como a ínsula. Uma outra estrutura chamada Córtex Cingulado Anterior (CCA) articula essa "conversa" monitorando ao mesmo tempo a consciência e as funções internas do corpo. Na grande maioria das vezes, acabamos por tomar uma decisão sem sabermos exatamente o por quê da escolha, mas jugalmos quase sempre termos escolhido racionalmente. Isto significa que damos, muitas vezes, um significado "racional" a decisões tomadas intuitivamente, justificando assim nosso ato. Talvez isso nos faça entender melhor a resposta do Oráculo a Neo, no filme Matrix, quando ele insistentemente perguntava: Qual caminho escolher?

- "Vc já escolheu. Deve somente entender por que fez essa escolha".

Voltemos as pílulas. Tomar a pílula vermelha lhe parece mais interessante pois você, como bom curioso, deseja saber o que se esconde atrás da Matrix. Nesse momento, seu NAc se ativa vívidamente, favorecendo esta escolha. Entretanto, tomar a pílula vermelha implica em ter uma série de reações adversas e desagrádaveis. A percepção disto ativa a ínsula que imediatamente inibe o desejo gerado pelo Nac. A ínsula é muito poderosa em inibir desejos, quando percebe que algo muito desagrável pode ocorrer em consequência de uma escolha. Você volta a ficar na dúvida. Pensa então na pílula azul, que simplesmente não lhe confere nenhum risco, mas também não lhe dá nada além da mesmice. Seu CPF, ainda inseguro tenta, racionamelnte, definir qual a melhor opção. Eis que Morpheus revela, subitamente, que os efeitos colaterais da pílula vermelha são efêmeros e toleráveis. Essa informação simplesmente desativa a ínsula que, por sua vez, libera a ativação do NAc. A pílula vermelha torna-se irresistível....

Knutson e Loewenstein em 2007 demonstraram, por exemplo, que as relações entre PFC, NAc e ínsula conseguem predizer quando uma pessoa irá decidir por comprar algo, antes mesmo da decisão ser tomada. Em um experimento com 26 estudantes do ensino médio, apresentaram uma série de diferentes objetos a serem desejados (estímulo que ativa NAc) e em seguida mostraram os preços dos mesmos (estímulo que ativa ínsula). Basicamente, os autores comprovaram que, a escolha de comprar ou não um produto não é meramente uma relação lógica tipo custo-benefício, mas sim uma relação de "prazer x dor", baseada no cérebro emocional.

ResearchBlogging.orgKnutson, B., Rick, S., Wimmer, G., Prelec, D., & Loewenstein, G. (2007). Neural Predictors of Purchases Neuron, 53 (1), 147-156 DOI: 10.1016/j.neuron.2006.11.010

2 comentários:

  1. Belo texto Gallucci!!
    Ultimamente tenho ficado bem encucado com o que escrevem os terapeutas comportamentais. Sem conhecer nada dessas circuitarias os caras constataram muitas coisas interessantes.
    Juntando o empirismo desses caras com essa base neurofuncional dá pra levar esse barco bem longe. O mais difícil talvez seja perder o preconceito em aceitar nossa semelhança com os outros mamíferos ...

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  2. ahhh, adoro essa temática.

    a minha irmã estuda neurociências e escreveu algo interessante sobre emoção e racionalidade, em uma breve análise sobre a obra "o erro de descartes":

    http://eulimbico.blogspot.com/2009/11/o-erro-de-descartes-emocao-razao-e-o.html

    visita lá depois. outro dia já passei seu blog pra ela. assim vcs podem trocar figurinhas.

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