23 de abril de 2010

A Revolta da Vacina (1904/2010)

Desde as últimas semanas uma enxurrada de jornais, blogs e revistas científicas, e o próprio Ministério da Saúde tentam desalarmar a população sobre um possível efeito deletério da vacina contra o vírus da gripe H1N1. Por ignorância de alguns e arrogância de outros, o email (SPAM) que circula pelo Brasil, quiça pelo mundo, perpetua o medo e a desinformação sobre a vacina.

O fato é que os dados do Ministério da Saúde, liberados na semana passada, revelam que somente 50% das gestantes (principal grupo de risco e grupo com maior mortalidade) procuraram os postos de saúde para tomar a vacina. Muitos desinformados, e aqui incluo médicos (ginecologistas inclusive), divulgam que a vacina é de risco para o feto, outro absurdo. Alguns populares mostram-se, nitidamente, revoltados contra essa conspiração de pessoas que "injetam" vírus indiscriminadamente, como que inoculando uma sentença de desgraças e mau agouro na população. Para quem não se lembra, dadas as proporções, isso não é novidade no Brasil.

Em 1904, Oswaldo Cruz, propôs um projeto de vacinação obrigatório contra a varíola, doença que assolava o Rio de Janeiro e a maioria das cidades brasileiras. Para erradicar a doença, o sanitarista convenceu o Congresso a aprovar a Lei da Vacina Obrigatória que permitia que brigadas sanitárias, acompanhadas por policiais, entrassem nas casas para aplicar a vacina à força.

Resultado:

"Jornais da oposição criticavam a ação do governo e falavam de supostos perigos causados pela vacina. Além disso, o boato de que a vacina teria de ser aplicada nas "partes íntimas" do corpo (as mulheres teriam que se despir diante dos vacinadores) agravou a ira da população, que se rebelou. Os acontecimentos, que tiveram início no dia 10 de novembro de 1904, com uma manifestação estudantil, cresceram consideravelmente no dia 12, quando a passeata de manifestantes dirigia-se ao Palácio do Catete, sede do Governo Federal. A população estava alarmada. No domingo, dia 13, o centro do Rio de Janeiro transforma-se em campo de batalha: era a rejeição popular à vacina contra a varíola que ficou conhecida como a Revolta da Vacina, mas que foi muito além do que isto."

A reação popular levou o governo a suspender a obrigatoriedade da vacina e a declarar estado de sítio em 16 de novembro. A rebelião foi contida, deixando 50 mortos e 110 feridos. Centenas de pessoas foram presas e, muitas delas, deportadas para o Acre.

"Ao reassumir o controle da situação, o processo de vacinação foi reiniciado, tendo a varíola, em pouco tempo, sido erradicada da capital."

Revoltas à parte, vamos aos fatos. A revista Nature deste mês de abril traz o resultado dos estudos que avaliaram mortalidade, anos de vida perdidos pela infecção e o impacto do início da vacinação contra o H1N1 na Austrália. Os gráficos falam por si, mas claramente o início da vacinação na Austrália diminuiu incidência dos casos de gripe por H1N1.
Fonte: Nature 464, 1112-1113 (2010)

O grafico de barras acima revela que a mortaliadde estimada pelo vírus H1N1 é semelhante ao da gripe comum (atingindo porém pessoas mais jovens e gestantes, pelos dados da OMS). Entretanto, o impacto da epidemia de 2009 é bem explicitado pela quantidade de anos de vida perdidos pela infecção (uma medida de mortalidade prematura), superior aos dos outros tipos de gripe.

Fonte: Nature 464, 1112-1113 (2010)

O início da vacinação na Australia reduziu sensivelmente a incidência de casos novos de H1N1, porém nota-se claramente no gráfico acima que a vacinação começou ao final da epidemia de 2009, tendo pouco impacto na mortalidade deste ano.

Vistos os fatos vamos aos esclarecimentos, retirados do site do Ministério da Saúde, no portal do cidadão.

O mercúrio presente na vacina causa autismo em crianças?
Não. A concentração de mercúrio é de 25 microgramas por dose de 0,5ml e é usada para evitar crescimento de fungos ou bactérias, no caso de a vacina ser contaminada acidentalmente na hora da punção repetida no frasco multi-dose. Esse mesmo conservante é utilizado rotineiramente em outras vacinas, como na Tetravalente indicada contra Difteria, Tétano, Coqueluche, Meningite e na Tríplice Viral, vacina contra Caxumba, Rubéola e Sarampo.

O timerosal, conservante antiséptico presente na vacina, pode causar autismo em crianças com disfunção mitocondrial e em adultos com disfunção hematoencefálica?
Estudos realizados em todo o mundo demonstram que o timerosal, desde 1930, tem sido amplamente utilizado como conservante e numa série de produtos biológicos, incluindo muitas vacinas. O uso nas vacinas tem por finalidade evitar o crescimento de bactérias ou fungos, quando esta é contaminada acidentalmente, como no caso de punção repetida no frasco multidose. Vacinas com estes tipos de conservantes já são utilizadas desde 1930. Algumas delas são: DPT, Tetravalente,Febre Amarela, Dupla Viral, Triviral. Em 2004, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos convocou um comitê de Revisão de Segurança em Imunização examinou a hipótese de que as vacinas, contendo timerosal, estariam causalmente associadas ao autismo e comprovou que as provas disponíveis rejeitam a existência de nexo de causalidade entre vacinas contendo timerosal e autismo.

A vacina contém esqualeno, substância que afeta o sistema imunológico do indivíduo?
Os adjuvantes são substâncias que estimulam a resposta imunitária, permitindo reduzir a quantidade de material viral utilizado em cada dose e conferir proteção de longa duração. São produtos entre os quais se incluem certos sais de alumínio e emulsões (esqualeno e seus derivados) que são utilizados na composição de vacinas. E não causam danos ao ser humano.

A vacina contém células cancerígenas de animais que podem causar câncer em humanos?
Não. Isso é boato irresponsável.

Indústrias farmacêuticas receberam imunidade judicial quanto a ações ocasionadas por efeitos da vacina, como morte e invalidez?
Não temos essa informação. Vale registrar que o Ministério da Saúde, Agência Vigilância Sanitária e os laboratórios produtores detentores do registro são responsáveis por registrar, acompanhar e avaliar os casos de eventos adversos associados à vacinação.

Não há comprovação de que somente uma dose da vacina seja efetiva?
Errado. Estudos comprovam que a vacina é efetiva com uma dose única. As crianças entre 6 meses e menores de 2 anos devem tomar duas meias doses da vacina contra a Influenza H1N1, sendo que a segunda meia dose da vacina é aplicada 30 dias depois da primeira meia dose, para estarem protegidas do vírus da Influenza H1N1.

A gripe pandêmica foi uma criação da indústria financeira, uma vez que surgiu em plena crise mundial. Ela foi criada só para favorecer os laboratórios farmacêuticos, que vão ganhar mais dinheiro com a fabricação e venda de remédio e vacinas?
A situação epidemiológica da gripe no mundo e no país é monitorada de forma sistemática e real. O Brasil utiliza de Sistema de Vigilância Sentinela de Influenza desde 2000. Atualmente com 62 unidades de saúde responsáveis pela coleta de amostras e organização de dados epidemiológicos agregados por semana epidemiológica. O monitoramento por este sistema identificou em 2009 que, desde o surgimento da pandemia, aproximadamente 70% dos vírus respiratórios que causavam síndrome gripal era o vírus influenza pandêmica (H1N1) 2009. Em alguns países este percentual chegou até 100%.

Há evidências de má formação fetal em gestantes que tomaram a vacina?
A vacina contra o vírus influenza pandêmico (H1N1) 2009 é segura e indicada para a gestante em qualquer idade gestacional. Na vacinação realizada no hemisfério norte não houve nenhum registro de má formação fetal relacionada a vacina. Esta indicação foi ratificada pela Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia - Febrasgo. Até o momento, não há relato de ocorrência de nenhum prejuízo sequer para a mãe e/ou para o feto.

ResearchBlogging.orgButler, D. (2010). Portrait of a year-old pandemic Nature, 464 (7292), 1112-1113 DOI: 10.1038/4641112a

Um comentário:

  1. olá! as informações aqui constantes são bem esclarecedoras. realmente, há uma resistência muito grande em relação à vacina, mas muita coisa que se prega por ai é pura bobagem.

    parabéns pela iniciativa da postagem. já te sigo no twitter e dei um RT lá!

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