30 de março de 2010

Alzheimer: o preço da evolução?

O Mal de Alzheimer é uma doença neurogenerativa que afeta cada vez mais pessoas à medida que a população humana envelhece. O envelhecimento em si é o principal fator de risco para desenvolver essa doença. Estima-se que metade da população americana com 85 anos ou mais apresente sintomas inequívocos de Alzheimer. Basicamente, a pessoa que desenvolve Alzheimer passar a perder ao longo dos anos, além da memória, as funções cognitivas ditas "superiores", muitas das quais nos conferem habilidades que nos diferenciam como espécie. Daí surge a pergunta: alguma outra espécie animal apresenta neurodenegeração?

Para Bruce Yankner, professor de patologia e neurologia da Harvard Medical School, a reposta é não. Segundo ele, mesmo os animais considerados mais inteligentes na cadeia evolutiva, como macacos, baleias, corvos e corujas, não apresentam os prejuízos graves decorrentes da degeneração cerebral. Este é um privilégio nosso. Há uma explicação para isso?

A edição da revista Nature deste mês traz um artigo de autoria de Bishop e do próprio Yankner que, entre outras coisas, compara a conservação da expressão gênica cerebral durante o envelhecimento entre diferentes espécies. Apesar de haver clara evidência de conservação da expressão e sinalização de diversos genes entre as espécies, os achados mostram que há mudança na expressão gênica cerebral, durante o envelheciemento, entre camundongos, macacos e humanos. Enquanto os camundongos envelhecem há uma supra-regulação dos genes ligados ao funcionamento cerebral, nos seres humanos ocorre o inverso. Genes importantes na manutenção da proteção e plasticidade neuronal, sinapse e função mitocondrial (fundamental na manutenção do equilíbrio do estresse oxidativo que, alterado, inicía a cascata de reações que levam às lesões características do Alzheimer) estão hipofuncionantes nos humanos. Comparativamente, parece que essa hipoativação dos genes protetores é uma exclusividade do tecido cerebral. Outros sistemas como o muscular, sanguíneo e renal preservam uma expressão genética supra-regulada.

Fonte: Bishop, NA; Lu, T; Yankner, BA. Nature 464
Para Yankner, a ausência de evidências de processos neurodegenerativos nos primatas, sugere claramente que o desenvolvimeto cerebral em tamanho e complexidade em nossa espécie possa representar um fator de risco para a degeneração. Um cerébro mais complexo consome mais energia (e os neurônios normalmente já usam mais energia do que outras células) e esse consumo envolve acúmulo de metais e radicais livres que causariam dano genético progressivo.
O fato é que o crânio do homem atual, Homo Sapiens Sapiens, ronda os 1400 cc, e levando em conta a relação entre massa corporal e massa encefálica é o maior cérebro do mundo animal.
Se não sabemos o por quê o cerébro degenera tão frequentemente após a oitava década de vida, sabemos que esta degeneração é exclusiva da espécie humana. Se este não for o preço da Evolução é, no mínimo, o preço da evolução da medicina até o momento...

ResearchBlogging.orgBishop, N., Lu, T., & Yankner, B. (2010). Neural mechanisms of ageing and cognitive decline Nature, 464 (7288), 529-535 DOI: 10.1038/nature08983

28 de março de 2010

Criatividade infantil e o córtex frontal

Você está no ensino médio (antigo colegial) e descobre que por algum motivo amanhã não haverá aula. O que voçê faria neste dia livre?

Agora imagine a mesma situação, mas suponha que você tenha apenas 7 anos de idade. Faria algo diferente?

Foi exatamente isso que os psicólogos Zabelina e Robinson solicitaram a 76 alunos do ensino médio dos Estados Unidos. Um primeiro grupo de alunos deveria escrever por escrito o que fariam neste dia sem aula e um segundo grupo deveria fazer o mesmo, porém imaginando se tivessem 7 anos. O resultado revelou que os alunos que imaginaram ter 7 anos foram muito mais criativos dos que os outros. Que as crianças são criativas e os adultos menos, isso não é novidade. A pergunta é: por que isso acontece? Como um artista consegue preservar sua criatividade ao longo dos anos?

A inibição da criatividade certamente tem base na maturação e crescimento do córtex frontal, mas sofre também a influência da assimilação das normas, regras e comportamentos sociais que aprendemos serem "adequados" para uma pessoa madura. O resultado é que, á medida que as crianças crescem e se tornam adultas, passam a inibir seus impulsos e pensamentos fora das normas e padrões comuns. Poderíamos imaginar que os adultos então são menos ou nada criativos (em comparação com as crianças) pois perdem essa capacidade ao longo da fase de crescimento. Na prática não é isso que ocorre. O estudo de Zabelina mostra que, quando solicitado, podemos "ativar" nosso lado criativo (obviamente se tivermos algo de valor para expressar) imaginando mentalmente sermos crianças. Fazendo isso, podemos supor que estaríamos desinibindo mentalmente nosso córtex frontal, liberando nossa criatividade.
Em 2008, Charles Limb e Allen Braun mostraram em um estudo de neuromiagem funcional, que músicos tocando Jazz desinibiam o córtex pré-frontal ao serem solicitados a improvisarem a sequência da música que ouviam.


Um exemplo prático disso ocorre diariamente em reuniões executivas, as chamadas reuniões de "brainstorming", literalmente uma tempestade cerebral de idéias criativas. Essa técnica, de autoria do publicitário americano Alex Osborn, pede que escrevamos todas as possíveis idéias sobre um determinado tema sem deliberação.
A criatividade está em todos nós (alguns mais outros menos criativos), basta saber onde encontrá-la. Talvez pensar como criança seja um bom começo.


ResearchBlogging.orgZabelina, D., & Robinson, M. (2010). Child’s play: Facilitating the originality of creative output by a priming manipulation. Psychology of Aesthetics, Creativity, and the Arts, 4 (1), 57-65 DOI: 10.1037/a0015644

ResearchBlogging.orgLimb CJ, & Braun AR (2008). Neural substrates of spontaneous musical performance: an FMRI study of jazz improvisation. PloS one, 3 (2) PMID: 18301756

26 de março de 2010

Os limites da Consciência...ou da fMRI

Em fevereiro deste ano Monti, Vanhaudenhuyse, et al publicaram no The New England Journal of Medicine um artigo provocativo intitulado Willful Modulation of Brain Activity in Disorders of Consciousness" que analisou a existência de atividade cerebral em pacientes com graves danos neurológicos e que se apresentavam em estado vegetativo ou em estado mínimo de consciência. O estudo avaliou 54 pacientes nessas condições dos quais 5 apresentaram ativação cerebral na ressonância magnética funcional (fMRI) quando solicitados verbalmente a imaginarem tarefas do tipo "imagine-se jogando tenis" ou "imagine-se passeando pela sua cidade". O mais intrigante entretanto foi que as mesmas tarefas solicitadas para um grupo de pessoas saudáveis ativaram exatamente as mesmas áreas cerebrais. Um ponto nevrálgico do estudo é a maneira como as tarefas imaginativas foram comparadas com uma tarefa controle. A palavra "relax" foi usada para definir o período de repouso mental (controle). Mas quem fica sem pensar ou imaginar nada em repouso? Além disso sabemos que a ativação cerebral não é prova suficiente para o comportamento associado. Podemos supor, por exemplo, que as ativações encontradas sejam respostas automáticas e inconscientes. Como os próprios autores colocaram:

"Recent evidence suggests that single words can, under certain circumstances, elicit wholly automatic neural responses in the absence of conscious awareness. However, such responses last for a few seconds at most and, unsurprisingly, occur in regions of the brain that are associated with word processing"

"Jumping to the conclusions" os autores referem que os achados de ativação cerebral nestes pacientes refletem "algum grau de consciência e cognição". Assim sendo, uma parcela (sim, pequena!) daqueles pacientes ditos em coma ou em estado vegetativo pode estar consciente. A partir daí podemos imaginar que aquele nosso avô querido ou aquela tia distante que estava em estado vegetativo poderia, na verdade, estar sofrendo ou em desespero por estar consciente de sua condição e de sua impotência perante ela. Obviamente esta é uma interpretação dos resultados reducionista e perigosa. A mente como propriedade emergente do cerébro não pode ser reduzida a um par de hipocampos ativados ou a ativações elicitadas por tarefas imaginativas do tipo "imagine-se jogando tenis". A ativação cortical não nos fornece qualquer evidência de fluxo de pensamentos, memória, auto-consciência, reflexão, representação e em última instância de vida mental sob o aspecto qualitativo. Nos falta aqui a Fenomenolgia. Como dizia Descartes:
Cogito Ergo Sum!

ResearchBlogging.orgMonti, M., Vanhaudenhuyse, A., Coleman, M., Boly, M., Pickard, J., Tshibanda, L., Owen, A., & Laureys, S. (2010). Willful Modulation of Brain Activity in Disorders of Consciousness New England Journal of Medicine, 362 (7), 579-589 DOI: 10.1056/NEJMoa0905370
 
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