19 de abril de 2010

Van Gogh, ômega-3 e epilepsia

As especulações a cerca de qual doença mental teria acometido o famoso pintor Vincent Van Gogh são inúmeras. Ele recebeu mais de 30 diferentes diagnósticos de médicos que, mesmo após a sua morte, ainda tentam decifrar sua patologia e sua genialidade como artista. Muitos, senão a grande maioria das pessoas, acreditam que Van Gogh era portador de transtorno bipolar devido ao seu histórico de episódios depressivos (2 episódios bem documentados antes do 27 anos), associados aos seus rompantes de comportamento (supostamente episódios de euforia). Entretando, no meio acadêmico a teoria com maior embasamento técnico era a de que Van Gogh tinha epilepsia do lobo temporal. Vários especialistas, incluindo os próprios médicos de Van Gogh (Felix Rey, um dos primeiros médicos que o atendeu, tinha amplos conhecimentos de epilepsia e dos problemas mentais associados a ela) além do famoso neurologista francês Henri Gastaut, corroboram esta hipótese.

Basicamente três grandes elementos sustentam a teoria da epilepsia:

1) Alterações de humor e sintomas psicóticos (possível psicose pós-ictal) que se manisfestavam após "crises" onde Van Gogh dizia-se num estado de sonho, no qual não sabia exatamente o que se passava ao seu redor (possíveis crises parciais complexas) ou quando recobrava a consciência após ser encontrado desmaiado (possíveis crises secundariamente generalizadas).

2) Traços de personalidade caracterizados por hiperreligiosidade, viscosidade e hiperemocionalidade, sabidamente comuns em pacientes com epilepsia do lobo temporal. Gastaut, mais tarde, descreveria a síndrome de Gastaut-Geschwind, que nada mais é do que a transformação da personalidade pela epilepsia do lobo temporal, que ocorre em alguns pacientes com este tipo de epilepsia.

3) Artemisia absinthium. A bebida mais consumida na França entre os frequentadores do meio artístico na época era o Absinto. Composto de extrato de óleos (cânfora e thujone) e grande concentração de álcool, o absinto daquela época era bem mais nocivo do que o absinto que conhecemos hoje*. Sabidamente uma bebida epileptogênica, o abstinto pode ter precipitado ou agravado as crises de Van Gogh, que fazia uso regular dela.

Recentemente, alguns autores (Hughes JR, 2005) questionaram a hipótese da epilepsia alegando que, na verdade, ninguém nunca presenciou ou descreveu uma crise epiléptica típica em Van Gogh. Mais ainda, Scorza e Cavalheiro (pesquisadores brasileiros), levantaram a possibilidade de que Van Gogh pudesse ter desenvolvido seu quadro de desmaios em função de uma desnutrição causada pela má alimentação e o alcoolismo. De fato, podemos supor que as dificuldades financeiras de Van Gogh não lhe proporcionavam banquetes fartos. Fato curioso pórem, levantado pelos mesmos autores numa recente carta aos editores da Epilepsy and Behavior, é que o consumo de peixe (refeição também comum na França daquela época) poderia ter salvado Van Gogh. O ômega-3, um ácido graxo essencial abundante nos peixes, tem propriedades neuroproteroras (aumenta o limiar convulsivo em animais, por exemplo) e antidepressivas, demonstradas em alguns estudos clínicos. Se Van Gogh tivesse vendido alguns poucos quadros em vida, poderia ter se dado ao luxo de saborear semanalmente um ou outro prato com salmão.

Mas será que isso realmente teria evitado a evolução de sua possível epilepsia?


Vários estudos tentaram demonstrar os efeitos antiepilépticos do ômega-3 em pacientes com epilepsia crônica ou refratária. Yuen e Sander (outro brasileiro) em 2005, fizeram um estudo duplo-cego, controlado com placebo e suplementação da dieta com doses altas de ômega-3, em 58 pacientes com epilepsia. Os resultados mostraram que, apesar de haver uma melhora inicial no controle de crises no grupo que tomava ômega-3, após 6 semanas não havia diferença de melhora entre grupo placebo e grupo com suplementação.


Em outro estudo de Bromfield e Dworetzky, que avaliou 21 pacientes com epilepsia refratária, em 2008, a suplementação com PUFA (polyunsaturated fatty acids) também não conseguiu se mostrar superior ao placebo durante as 16 semanas do estudo.


Mesmo que Van Gogh frequentasse o mercado de peixes, dificilmente deixaria de ter epilepsia.

*se imaginava que a concentração de Thujone (substância epileptogênica) no abstinto antigo era de 260 mg por litro (algo absurdamente alto) quando na verdade parece não ser superior a 6mg/L.

ResearchBlogging.orgScorza FA, Cavalheiro EA, Arida RM, & Hughes JR (2010). Did Vincent van Gogh eat fish? Epilepsy & behavior : E&B, 17 (2) PMID: 20042371


ResearchBlogging.orgBromfield E, Dworetzky B, Hurwitz S, Eluri Z, Lane L, Replansky S, & Mostofsky D (2008). A randomized trial of polyunsaturated fatty acids for refractory epilepsy. Epilepsy & behavior : E&B, 12 (1), 187-90 PMID: 18086463

ResearchBlogging.orgYuen AW, Sander JW, Fluegel D, Patsalos PN, Bell GS, Johnson T, & Koepp MJ (2005). Omega-3 fatty acid supplementation in patients with chronic epilepsy: a randomized trial. Epilepsy & behavior : E&B, 7 (2), 253-8 PMID: 16006194

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