3 de maio de 2010

Gripe na gestação e risco de esquizofrenia para a prole

Já foi comentado neste e em vários outros blogs que mulheres gestantes são o alvo principal do vírus influenza H1N1, havendo maior morbimortalidade neste grupo. Daí a importância de que todas as grávidas se vacinem (a taxa de vacinação em gestantes no Brasil já ultrapassou pouco mais de 60%, era de 50% até duas semanas atrás), até porque a cada gestante morta, duas vidas se esvaecem. Nada pode ser pior do que isto.

Mas e as gestantes que adoecem com a gripe e não morrem? O que acontece com elas?

Bem, elas provavelmente se curam após a infecção controlada e seguem suas vidas normalmente...certo?

Nem sempre. Apesar das mães saírem ilesas é possível que seus filhos tenham um maior risco de apresentarem problemas relacionados ao desenvolvimento cerebral por conta da infecção.

Um estudo recém publicado no Biological Psychiatry agora em maio de 2010 mostra a influência da infecção por gripe, durante a gestação, no desenvolvimento cerebral de macacos Rhesus (Macaca mulatta). Os filhotes de 12 fêmeas comprovadamente infectadas com vírus da gripe (influenza H3N2, inoculados via nasal na décima sétima semana de gestação) foram comparados com 7 filhotes de fêmeas que tiveram gestação sem intercorrências. Diversas aéreas cerebrais foram estudadas e mensuradas (substância branca e cinzenta) por exames de imagem sofisticados durante o primeiro ano de vida do macaco (que corresponde aos cinco primeiros anos de vida em humanos).

Apesar de os 12 filhotes de mães infectadas com o H3N2 na gestação terem tido peso e tamanho normais ao nascer e um desenvolvimento motor e comportamental normais até o primeiro ano de vida, seus cérebros cresceram consideravelmente menos do que os dos macacos filhos de mães saudáveis. Mais ainda, o "filhos da gripe" apresentaram alargamento dos ventrículos laterais do cérebro (achado comum na esquizofrenia) que se correlacionou positivamente com os níveis de IgG materna (resposta imunológica da mãe ao H3N2).

A figura mostra o quanto menor (em %) foi a quantidade de massa cinzenta nas diferentes áreas cerebrais dos filhotes de mães infectadas por H3N2 na gestação.
Fonte: Short, S.J.; et al. BIOL PSYCHIATRY 2010;67:965–973

Os achados da existência de alterações biológicas nos cérebros de macacos Rhesus filhos de mães infectadas por vírus influenza H3N2 da gripe estabelecem uma base concreta para os defensores da relação entre epidemias virais e aumento de casos de esquizofrenia na população. É obvio que esta relação não pode ser estabelecida de forma definitiva, pois nem toda alteração cerebral é igual a esquizofrenia ou qualquer outra doença mental.

A idéia de que infecções por vírus da gripe possam ter consequências negativas no desenvolvimento cerebral e possam ter relação com o surgimento de doenças mentais nos filhos não é nova. Diversos estudos epidemiológicos nos anos 80, mostraram um aumento na incidência de esquizofrenia nas décadas subsquentes às epidemias de gripe em 1918, 1954, 1957 e 1959.

Fonte: British Journal of Psychiatry (1992), 160, 461- 466

A figura acima mostra a variação da média de nascimentos de pessoas que desenvolveram esquizofrenia nos meses pós epidemia de gripe segundo o estudo de 1992, coordenado pelo Prof. Robin Murray, do Maudsley Institute of Psychiatry, que correlacionou os casos de esquizofrenia admitidos em hospitais Londrinos entre 1970 e 1979 com as epidemias de gripe que ocorreram entre 1939 e 1960. Os autores estabeleceram uma relação de que
para cada mil mortes por influenza haveria um aumento de 1,4% no número de nascimentos,
nos 2 a 3 meses subsequentes á epidemia de gripe, de pessoas que desenvolveriam esquizofenia.

Na época e mesmo ainda hoje (o renomado Schizophrenia Bulletin vol. 36 de 2010 publicou um artigo questionando a validade do estudo da pandemia de 1957) o assunto permanece controverso. Os achados de Short e colegas publicados esse mês no Biological Psychiatry, entretanto, fornecem um substrato biológico signicativo para esta possível associação.

Moral da história: vacine-se enquanto o inverno não chega!

ResearchBlogging.orgShort SJ, Lubach GR, Karasin AI, Olsen CW, Styner M, Knickmeyer RC, Gilmore JH, & Coe CL (2010). Maternal influenza infection during pregnancy impacts postnatal brain development in the rhesus monkey. Biological psychiatry, 67 (10), 965-73 PMID: 20079486

ResearchBlogging.orgSham PC, O'Callaghan E, Takei N, Murray GK, Hare EH, & Murray RM (1992). Schizophrenia following pre-natal exposure to influenza epidemics between 1939 and 1960. The British journal of psychiatry : the journal of mental science, 160, 461-6 PMID: 1294066

3 comentários:

  1. É uma forte evidência e agora podemos nos perguntar: Como a infecção viral altera o desenvolvimento cerebral e qual esta relação com as diversas apresentações psiquiátricas?

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  2. Òtima pergunta Alexandre. A evidência de associação epidemiológica e etiopatogênica (se é que chega a ser neste caso), não implica em conhecimento fisiopatológico. Também nada se pode inferir, a priori, sobre a relação das alterações achadas com qualquer doença mental. Mas os achados nos obrigam a pesquisar...

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  3. Alargamento de ventrículo direito ou esquerdo? Ou de ambos?

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