18 de maio de 2010

Detector de mentiras via fMRI: pronto para o tribunal?

"A civilização se refugia em verdades que não passam de ilusões. O homem só se torna senhor de si ao se libertar delas e abraçar as próprias mentiras".
(Nietzche)

Muito em breve, por 5.000 dólares, um computador fará a varredura de seu cérebro por vários minutos enquanto você responde a questões simples do tipo: onde vc mora? Estamos em 2010? E outras bobagens do dia a dia. Depois fará questões mais picantes como: você trai a sua esposa? Já pensou em botar fogo no Butantan? Ao final do processo, este mesmo computador irá gerar uma série de imagens do seu cérebro e através delas alguém (provavelmente um médico) dirá se você estava dizendo a verdade ou não.

Após a febre do polígrafo no século passado, usado até em prisioneiros de guerra, temos agora um novo candidato a detector de mentiras. A ressonância magnética funcional (fMRI).


Detecção de mentira feita pelo Polígrafo, tido como uma pseudociência entre a comunidade científica

O início de 2010, no setor jurídico americano, foi marcado por uma polêmica. O advogado David Levin tentou, pela primeira vez na história, introduzir como prova o resultado do teste de detecção de mentira via fMRI no caso de Cynette Wilson, uma executiva americana que reclama que passou a ser discriminada na empresa onde trabalha (não recebia mais serviços), após denunciar um dos funcionários por assédio sexual.

Esta tentativa nos Estados Unidos foi rejeitada pelo juiz, sob a alegação de que avaliar a credibilidade das testemunhas é papel do júri e não de um perito ou exame. O juiz sequer quis saber o quão confiável é a de detecção de mentira via fMRI.

Uma questão pertinente é a de que, num tribunal, o julgamento correto para determinar se alguém está mentido ou não cabe, sem dúvida, ao campo do Direito. Quem julga, técnicamente falando, são as pessoas qualificadas para tal (apesar do juri popular ser composto por leigos). Alguns alegam que o que ocorre é que em cerca de 50% das vezes o júri se engana. Assim sendo, qualquer teste para detectar mentiras com sensibilidade maior que 50% seria mais confiável do que o júri.

E o teste via fMRI é mais confiável do que isso? Ao que tudo indica sim.

Vários estudos apontam que em 90% das vezes, o teste de detecção de mentiras via fMRI, acusa corretamente o mentiroso. Os resultados são tão promissores que duas empresas americanas, a Cephos Corporation em Tyngsboro, Massachusetts, e a No Lie MRI em San Diego, Califórnia, já estão comercializando o teste no mercado.

Entretanto, mesmo que o teste seja confiável, especialistas questionam se os resultados desse tipo de "leitura da mente" devem ser admissíveis em tribunal. No códido do Processo Penal Brasileiro e na Quinta Emenda da Constituição Americana consta um princípio que diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Outra questão é que o Direito prescinde desta "validade" científica exigida pela Medicina. Quem, por exemplo, analisou a acurácia de júris populares para determinar seus viéses e validar seus resultados? A Medicina moderna se embasa na veracidade científica, o Direito na verdade da Lei. A Jusfilosofia neste caso, deve se encarregar do debate.

Em relação a questão técnica do teste (esta sim, cabe aos pesquisadores, médicos e aos donos de empresas que comercializam o exame), o estudo de Mark George do NIH (National Institute of Health) publicado em 2009 no The open forensic science journal acabou por corroborar os achados dos estudos anteriores, dando mais peso aos resultados. George e seus colegas analisaram 30 pacientes que foram confrontados com perguntas corriqueiras e um paradigma: eles deveriam escolher entre furtar um relógio ou anel antes irem para a fMRI. Durante o scan eram orientados a mentir se fossem perguntados sobre o que tinham furtado. Os autores conseguiram identificar corretamente 86% dos sujeitos que mentiam.


Áreas azuis se ativam quando algo verdadeiro é respondido e áreas vermelhas quando a mentira vem á tona.
Fonte
: http://noliemri.com/

Mas porque essa áreas se ativam? Essa pergunta tão elementar está longe de ser respondida. O que existe são especulações rudimentares. Certezas, poucas.

Inúmeros neurocientistas ainda tendem a ter dúvidas sobre a confiabilidade da fMRI na detecção de mentiras, mas muitos concordam que a técnica vale a pena ser estudada. Algumas questões técnicas, inclusive no campo da psiquiatria, sobre a fMRI e seu potêncial em desvendar mentiras e verdades devem ser melhor compreendidas e debatidas:

  • Acreditar na mentira (pseudólogos) muda o padrão de ativação cerebral?
  • Estar psicótico e dizer (e acreditar) que viu algo que ninguém mais viu ativa os mesmo circuitos?
  • Estar num estado dissociativo e dizer uma mentira, altera a validade do teste?
  • Como psicopatas reagem ao detector via fMRI? Eles ativam as mesmas áreas da verdade e mentira que as pessoas comuns? Duvido...

Bem, mas a verdade é que ninguém testou isso, ainda. E como saber então, se não podemos voluntariamente enganar a fMRI?

Quem nunca mentiu, que faça o primeiro comentário...

ResearchBlogging.orgKozel FA, Laken SJ, Johnson KA, Boren B, Mapes KS, Morgan PS, & George MS (2009). Replication of Functional MRI Detection of Deception. The open forensic science journal, 2, 6-11 PMID: 19844599

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